Por Guilherme Teixeira


As quedas do principal índice da bolsa de valores brasileira são pura histeria do mercado? Não é assim que a bolsa funciona.

 

– Por que esses gráficos, circuit breakers e números do mercado financeiro são tão importantes?

– Quais são os impactos do Covid-19 na economia brasileira?

– As nossas medidas são as mais corretas para esse momento?


Até o mês de março de 2020, a perspectiva geral era de uma recuperação econômica jamais vista. Além do Ibovespa bater recordes, amplas reformas vinham sendo desenvolvidas pelo governo federal, dentre elas as reformas administrativa e tributária e a reformulação no pacto federativo, que, junto com as medidas já aprovadas no ano anterior, como a reforma da previdência e a lei de liberdade econômica, buscavam dar mais segurança jurídica e liberalizar o mercado brasileiro.


Porém, como nem tudo se resolve na ponta da caneta, e a imprevisibilidade é regra na economia, fatores externos estão provocando uma das maiores crises mundiais dos últimos anos: desavenças na OPEP e o caos instaurado pela pandemia do Covid-19 fizeram as bolsas de valores mundiais despencarem, sendo a Bovespa uma das principais atingidas.


O Ibovespa (índice que engloba as ações mais negociadas da Bovespa) iniciou a sua queda definitiva no dia 19 de fevereiro, quando estava no patamar de 116.000 pontos e teve sua última queda registrada (até o momento da publicação deste artigo) no dia 23 de março, quando atingiu aproximadamente 63.500 pontos, retornando ao patamar que estava na metade do ano de 2017.


Gráfico 1 – Evolução do Ibovespa de 23/03/2019 até 23/03/2020.

Fonte: Infomoney.



O QUE ESSE TIPO DE QUEDA NOS DIZ?


O valor de uma ação está intimamente relacionado com a expectativa de lucro futuro de uma empresa, ou seja, com o quão bem sucedida ela será em suas atividades. Quando o preço de uma ação despenca na bolsa, é a mais clara sinalização do mercado de que os investidores, por não terem perspectivas positivas quanto ao futuro daquele investimento, preferem manter agora seu capital alocado em qualquer outro lugar que não a tal empresa. Partindo-se dessa premissa, pode-se estipular que quando o Ibovespa despenca como despencou no último mês, demonstra o desinteresse dos investidores em arriscarem seu capital nas ações mais negociadas da Bovespa.


Quando a economia está saudável, a queda no preço das ações são consideradas normais. Elas são interpretadas como um reajuste do mercado sobre uma expectativa que estava muito otimista quanto a uma empresa. Tendo em vista que o cenário atual não é normal, a queda generalizada no preço das principais ações no Brasil e no mundo passa longe de ser apenas um reajuste corriqueiro. Esse cenário tem um termo bem definido: vivemos uma crise econômica.


As crises econômicas são comuns em um mercado que possui interferência governamental, podendo ser gerada por fatores como inflação, desemprego, juros, déficit fiscal e por aí vai. Nesse cenário cheio de incertezas, a visão a longo prazo dos investidores  tende a perder importância. Em termos técnicos, a preferência temporal aumenta, causando uma busca por liquidez (dinheiro vivo), sendo esse outro fator que contribui para a não-alocação do dinheiro na bolsa. 


A crise atual tem uma característica especial, que é o surgimento do Covid-19, um fator externo à economia brasileira e que pode desencadear impactos muito maiores nos países com baixa poupança e infraestrutura precária no setor de saúde. 


O COMBATE À CRISE E AO CORONAVÍRUS


Desde a chegada do Sars-Cov-2 na Itália, em 19 de fevereiro, as economias mundiais paralisaram lentamente devido ao surgimento de casos e mais casos da doença em seus territórios. Nos principais centros econômicos do mundo, a população foi obrigada por seus governos a entrar em confinamento ou isolamento social, em virtude da necessidade de se achatar as curvas de contágio e suas consequências.


No momento da escrita deste artigo, o Covid-19 já provocou a morte de 20 mil pessoas no mundo. Esse número é 5 vezes maior do que o total de americanos mortos na Guerra do Iraque, que perdurou de 2003 a 2011. O Sars-Cov-2 é um vírus extremamente contagioso. Nos últimos 15 dias, o número de casos confirmados ao redor do mundo dobrou. Pelo número de mortos, percebemos que está longe de ser apenas uma “gripezinha”.


A quarentena horizontal realizada nas últimas semanas é reflexo das ações dos indivíduos (principalmente no Brasil) para a sua própria proteção contra a enfermidade. Ela foi fundamental para diminuir as curvas de contágio nos principais países afetados, dando mais tempo para a comunidade médica estudar melhores tratamentos da doença.


Por mais que a prática de isolamento total tenha tido um bom desempenho no achatamento inicial das curvas de contágio, dificilmente poderá ser uma solução benéfica a médio e longo prazo. Paralisar os setores produtivos terá efeitos extremamente negativos, sobretudo sobre a população mais pobre dos países emergentes e subdesenvolvidos, por conta da sua escassez de poupança, seu baixo rendimento mensal e pela sua especialização em tarefas majoritariamente presenciais e manuais. 


Em estudo publicado pelo JPMorgan Chase, em setembro de 2016, foi apontado que, caso todas as fontes de receita de uma empresa nos Estados Unidos da América fossem interrompidas subitamente, uma empresa teria caixa disponível para apenas 27 dias em média. No mesmo estudo foi salientada a baixíssima capacidade de sobrevivência de restaurantes, prestadores de serviço de manutenção, varejo e construção civil, setores que empregam grande parte da população mais pobre. 


Gráfico 1 – Número médio de dias com caixa disponível por setor.


Fonte: JPMorgan Chase Institute – Foto/Reprodução.


Na semana passada, o número de solicitações de pedido de desemprego nos Estados Unidos da América saltaram de 282 mil para 3,28 milhões. O número é 4 vezes maior do que o recorde anterior (695 mil pedidos), que havia sido registrado em 1982. 


Gráfico 2 – Pedidos de seguro-desemprego nos EUA desde 23 de março de 2019.

Fonte: G1 – Foto/Reprodução.


Demissões, como as citadas acima, são normalmente o último corte de custos em uma recessão, após um longo período de enfraquecimento da saúde da empresa (salvo casos de falência). Por meio da quarentena horizontal, arriscamos passar por todo o processo de esfacelamento econômico, com rápidos aumentos nos preços e demissões em massa, em apenas 1 mês.


Se a economia mais sólida do mundo já está tendo essas repercussões, os impactos da paralisação em países subdesenvolvidos serão ainda maiores. Isso demonstra, de forma definitiva, a incapacidade governamental de resolver problemas complexos rapidamente. Enquanto as empresas estão adaptando o seu planejamento diariamente para conter os impactos da paralisação, os governos nacionais possuem somente um plano: isole todos e imprima dinheiro. Só o FED (Sistema da Reserva Federal dos Estados Unidos), em 15 dias, já injetou o PIB brasileiro inteiro na economia. Além disso, criou uma política de empréstimo concedendo dinheiro infinito ao mercado, como se essa expansão de crédito e de oferta de papel-moeda fosse positiva ao mercado a longo prazo. Caso a paralisação persista por muito tempo, com essas medidas não teremos somente empresas fechando, mas também empresas fechando com dívidas gigantescas. Não será por meio do fomento da demanda que o FED conseguirá corrigir o problema de oferta criado pela paralisação.


A manipulação do mercado por parte do FED foi marcante na crise de 2008, com a atuação marcada pela injeção de dinheiro virtual no mercado (flexibilização quantitativa). A flexibilização quantitativa, principalmente agora, não será refletida em inflação, assim como em 2008, mas sim em perdas significativas de produtividade a médio e longo prazo. Após a utilização dessa estratégia em 2008, a recuperação econômica americana foi a menor e mais lenta da história do país, o que pode ser notado pelo baixo crescimento do Produto Interno do Bruto, que dificilmente superou os 2% desde então. A taxa de desemprego após a injeção de tanto dinheiro no mercado foi um dos principais problemas, chegando a aproximadamente 10% (quase o dobro da média histórica americana) e demorando 9 anos para estabilizar nas taxas anteriores à crise.


A manutenção dos pacotes de ajuda na quarentena, diferente do que se pensa, será extremamente nociva aos indivíduos mais pobres, pois não estão somente correndo somente o risco de perderem suas atividades remuneradas, mas também podem enfrentar uma forte recessão que atrapalhará o seu reposicionamento no mercado.


Não é sensato aplicar no Brasil práticas idênticas às de países como a Alemanha e Estados Unidos, que possuem um PIB per capita no mínimo 4 vezes maior que o brasileiro. Modelos diferentes, como o implementado pela Coreia do Sul, são mais facilmente adaptáveis à nossa realidade econômica e estão obtendo maior sucesso do que o imaginado: testes populacionais massivos; isolamento dos grupos de risco, sintomáticos e casos confirmados e; manutenção da atividade econômica. É de suma importância que nossos governantes também estejam olhando para o que está sendo feito nesses países, além de adaptar o plano econômico atual.


Não nos servirá injetar dinheiro na economia para oxigenar o mercado agora para retrocedermos novamente para mais uma década perdida por conta do desemprego e da baixa produtividade. É fundamental que o governo realoque seus recursos para o combate ao coronavírus, já que não estaremos prontos para uma paralisação de longa duração. Recursos como o fundo eleitoral e despesas pessoais dos três poderes devem ser revertidas imediatamente para testes populacionais massivos e ampliação da capacidade de atendimento do sistema de saúde nesse momento.


Não nos servirá ficar trancafiados em nossas casas: precisamos agir com mais velocidade e combater efetivamente a pandemia em nossas cidades. Não podemos subestimar os efeitos de ligarmos a impressora de dinheiro e sentarmos em nossos sofás. Não adianta levantar a bandeira do fim da pobreza por 30 anos para, no primeiro momento complexo, permitir que milhões de brasileiros percam o alimento na sua mesa ao final do dia. Tempos de crise também são tempos de oportunidades e está mais claro do que nunca que a estrutura pública brasileira precisa de uma reforma urgente.



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