Antes de Adam Smith (1723-1790), poucos pensadores modernos apresentaram o mesmo refinamento analítico sobre o processo econômico conhecido vulgarmente como capitalismo. Isso ocorrera não por serem intelectualmente inferiores, senão por terem escrito em uma época anterior, um período de transição das instituições tradicionais para uma nova forma de produção. Smith vivera quase toda sua vida na Escócia, em uma época em que os “grilhões do mercantilismo” foram finalmente suplantados pela Revolução Industrial, a qual ocorrera primeiramente na Grã-Bretanha, por volta das três últimas décadas do século XVIII e fora difundida pela Europa Ocidental no século XIX. Para os britânicos, a produção têxtil fora o ponto de partida de uma nova era: em meados de 1700, o setor de lanifícios convencera o governo a proibir a importação de xitas indianas, garantindo o mercado interno para os produtores nacionais.

O desenvolvimento dos métodos produtivos e as facilidades de acesso as fontes de energia hidráulica e a vapor – esta, posteriormente – possibilitaram a transformação das pequenas oficinas domésticas em grandes fábricas têxteis. Comparado aos períodos anteriores, Smith vivera em tempos de profundas transformações: uma época na qual o tradicional preconceito contra o “mercado capitalista”, em termos de atitude e ideologia, estava muito enfraquecido, com empreendedores de diversos seguimentos miraram possibilidades de maiores lucros no aumento da produtividade e na redução dos custos. Na segunda metade do século XVIII, o interesse pelas inovações técnicas crescera de forma incomum: entre 1700-1709, o número de patentes concedidas fora de 22, ao passo que entre 1750-1759, o total fora de 92. No entanto; em um período de trinta anos (1760-1789), o número de patentes concedidas fora muito maior. Na década de 1760, o total fora de 205; passado dez anos, o número fora de 294; em 1780, fora concedido um montante de 477.

Desse total, poucas inovações tiveram os mesmos impactos que tivera o motor a vapor. Embora tenha aparecido no começo do referido século, complicações mecânicas haviam limitado o seu uso. Em 1769, James Watt (1736-1819), engenheiro e matemático, projetou um motor a vapor com melhores especificações funcionais. Após associar-se com um fabricante de Birmingham, sua criação começou a ser produzida em escala. No final do século, o vapor estava rapidamente substituindo a água como principal fonte de energia da indústria britânica. A invenção de Watt fomentara profundas mudanças sociais e econômicas, pois permitira a ampliação da produção e a criação de fábricas mais próximas dos mercados – visto que uma fonte de energética hídrica não era mais necessário –, onde as matérias-primas eram compradas e as manufaturas vendidas. As fábricas foram multiplicadas próximas uma das outras, contribuindo para o crescimento de maiores centros populacionais, onde era recrutada a mão de obra.

Publicado pela primeira vez no final do século XVIII, A Riqueza das Nações é apresentado pelos teóricos e historiadores das ideias como o modelo original e fonte de inspiração de diversas gerações de economistas. Smith escrevera sua magistral obra em uma época em que a Revolução Industrial estava no começo, comprovando sua sagacidade como cientista social. A principal preocupação do Autor fora identificar os fatores sociais e econômicos que mais promovem o bem- estar e a felicidade dos homens. Com base em seus argumentos, a maximização das ganâncias da sociedade podem ser logrados “[…] à medida que a composição do[s] produto[s] a ser[em] [ofertados] correspondem […] às necessidades e aos [anseios dos que compram e desfrutam das mercadorias de consumo]”. Malgrado reconheça as ações altruístas do comportamento humano, Smith defendera que a economia é caracterizada por iniciativas egoístas e aquisitivas – fundamentos da Economia Neoclássica.

De forma resumida, o nível de produção de uma sociedade depende das suas máximas quantitativas e qualitativas de trabalho. O labor produtivo, o qual fomenta o acumulo de capital, contribui para o bem-estar da sociedade, pois eleva a produtividade da economia. Em uma sociedade rural, onde não há mercado ou qual qualquer produto manufaturado de refino, um campesino, não tendo com quem trocar sua produção agrícola, consome todos os seus recursos no ambiente doméstico. Com o gradual crescimento das cidades, graças aos aluguéis e outros benefícios obtidos pelos proprietários de terra, surgira um ambiente propício ao acumulo de riquezas e as trocas comerciais.

***

 

Com base nas perspectivas do consumo e da aquisição, o século XX foi um dos períodos de maior prosperidade da humanidade. Com base nos dados levantados pelo Our World in Data, publicação criada em 2011 por Max Rose, em parceria com a Universidade de Oxford, é possível constatar que a pobreza extrema mundial diminuiu de forma admirável nos últimos 195 anos. Para o ano de 1900, por exemplo, estima-se que pouco mais 80% da população mundial vivia com US$ 0.25 ou menos ao dia. Em 1960, pouco mais de uma década e meio após o fim da Segunda Grande Guerra, a renda per capita mundial era estimada em US$ 450.00. Todavia; em um período de 50 anos, o ingresso mundial médio evoluiu de US$ 450.00 para US$ 12.838.63, segundo os dados do Banco Mundial (BM) referente a 2010.

 

Gráfico 01 – População Mundial Que Vive e Não Vive Em Extrema Pobreza, 1900-2016.

 


Fonte: Elaborado pelo autor.

Dados Adaptados de: Rose e Ortiz-Ospina (2017).

 

Para 1930, os indicadores apontam que uns 75% da população mundial vivia com US$ 0.25 ou menos ao dia. Passado duas décadas, o percentual total decresceu para 72% e chegou a 60% em 1970. Os números indicam que a pobreza mundial foi drasticamente reduzida nos últimos dois séculos, embora a população mundial tenha crescido mais do que sete vezes entre 1820 a 2015. No entanto, medir a redução da carestia e a prosperidade material de um extenso período não são tarefas simples: em 1836, por exemplo, Nathan Rothschuld, considerado então o homem mais rico do mundo, falecera em decorrência de uma infecção pulmonar causada por abscessos – uma condição que poderia ser resolvida com a compra de antibióticos por poucos centavos de US$ no início do século XXI. Ainda, outro fator que complica a análise está no fato de não haver uma qualificação homogênea para riqueza e pobreza no tempo e espaço. Por exemplo: nos dias de hoje, os pobres nos Estados Unidos (EUA) são mais ricos do que a classe média em boa parte da Europa. Todavia, diferente dos anteriores; na maior parte do globo, as pessoas consideradas pobres não dispõem de automóveis e casas com ar-condicionado.

Segundo o BM, a pobreza extrema é a situação em que uma pessoa vive com uma renda menor que US$ 1.90 ao dia. No entanto, o montante utilizado para qualificá a pobreza extrema tampouco fora unânime no tempo, pois o indicador contemporâneo só foi adotado em 2015. No ano de 2005, a quantia utilizada no estudo da carestia era de US$ 1.25 ao dia; em 2002, usava-se a máxima do “um dólar ao dia”. Utilizando a qualificação empregada desde 2015 e consultando os dados levantados pelo BM e pelo Our World in Data, é possível constatar que o percentual de pessoas que vivera com menos de US$ 1.90 ao dia, no ano de 1980, correspondera a 44% da população humana. No começo da década de 1990, a porcentagem declinou de 44% para 37%.

Em 2000, um total de 30% da população mundial vivia em situação de pobreza extrema. No período de uma década, a miséria da população mundial foi drasticamente reduzida, passando de 30% para 16%, declínio de quase 50% do total. Nos quatro anos seguintes, a carestia mundial apresentou diminuição percentual média de 1,1% de ano, chegando em 2015 com 9,6%. Em uma perspectiva otimista, o BM acredita que em 2030 a pobreza extrema será praticamente erradicada em âmbito global. Rose e Ortiz-Ospina reforçam que, para os padrões contemporâneos; antes da Revolução Industrial, a grande maioria da população mundial vivera em condições consideradas de extrema necessidade: a economia era caracterizada pelo trabalho de baixa produtividade e pela escassez de bens alimentícios. Não é estranho constatar que os países onde as pessoas mais elevaram seus padrões de vida tenha sido os que primeiro a passaram pelo processo de industrialização. O constante progresso econômico e tecnológico logrado no século XX fez com que a pobreza extrema fosse praticamente erradicada nos países pioneiros..

Com relação às últimas décadas, o progresso material e tecnológico foi o grande responsável por reduzir a pobreza dos países em desenvolvimento. Rose e Ortiz-Ospina também concordam com o BM de que a miséria acabará em alguns decênios. Com base nas informações coletadas referentes à década de 1970, pode-se constatar que o PIB per capita mundial fora estimado em  US$ 802.71 ao ano. Segundo calcula o Autor do presente estudo: em plena Guerra Fria, o ingresso mundial médio saltou 213% em uma década, chegado em 1980 a US$ 2.517.57.

Gráfico 02 – Porcentagem da População Na Pobreza Absoluta X PIB Per Capita Mundial*.

Dados Adaptados de: Rose e Ortiz-Ospina (2017); BM (2017) e (1990).

 

           Em 1990; e, com um crescimento mais modesto, a renda média global atingiu US$ 4.275.46, percentual +69% superior em comparação a 1980. Com base nos valores monetários mundiais correntes, o BM mudou sua metodologia de cálculo em 1990 – os cálculos anteriores estavam limitados aos valores nos EUA. Fundamentado na nova metodologia, o PIB mundial per capita foi corrigido de US$ 4.275.46 para US$ 5.446.79. Os números apresentados pelo BM são reforçados pela Knoema, instituição privada sediada em Washington, EUA. A Knoema possui um amplo banco de dados disponível para consulta pública; e, com relação a 2000, a Knoema converge em suas estimativas com BC, com uma pequena margem de erro de 0,01%. Para o primeiro, o PIB per capita mundial foi estimado em uns US$ 7.923.11. Em comparação com a década 1990, o ano de 2000 apresentou uma renda superior em +45%.

Apesar da Crise do Subprime, desencadeada em 2007 e que teve como ponto de partida a queda do índice Dow Jones – fomentado pela concessão de empréstimos hipotecários de alto risco –, a primeira década do século XXI terminou com um saldo positivo de crescimento, inclusive superior ao período de 1990-2000. De 2007 para 2008, o crescimento do PIB global passou de +2,97% para +0,56%. No período do 2008-2009, os indicadores mundiais apresentavam uma queda porcentual de -2,94%. A Crise do Subprime foi a mais grave crise econômica desde 1929; procurando uma explicação para o fenômeno, Adrian Ravier e Peter Lewin afirmam que a Crise do Subprime não pode ser explicada como um incidente isolado e que a sua compreensão exige a elaboração de uma análise mais profunda, tendo como foco, primordialmente, as políticas monetárias do FED (Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos) e as pressões exercidas pelo governo estadunidense sobre o sistema bancário para concessão de empréstimos mais flexíveis. Para Revier e Lewin, os exageros cometidos entre 2001-2006 são apenas parte de um tudo mais complexo: para uma compreensão abrangente, é necessário considerar as medidas levadas a cabo no final da década de 1980 e durante todo o decênio de 1990.

 

Gráfico 03 – Crescimento Econômico Percentual e Evolução da Renda Per Capita dos EUA e do Mundo.

 

  

Dados Adaptados de: Knoema (2018)

 

          Malgrado a Crise do Subprime tenha sido a mais dramática dos últimos 79 anos, os indicadores referentes à primeira década do século XXI evidenciam uma notável recuperação econômica, não apenas nos EUA – ponto de partida da Crise do Subprime –, mas na economia global como um todo, pois esta terminou o segundo milênio com US$ 7.923.11. No final da década seguinte, a renda mundial média chegou aos US$ 12.838.63.

Entre 2000-2010, a renda per capita real mundial cresceu 62%, ao passo que os dados referentes aos EUA apontam um crescimento de 32%. Para o período, o ingresso norte-americana cresceu de US$ 36.449.86 para US$ 48.372.88. Apesar da significativa diferença entre o crescimento percentual global e o dos EUA, os números confirmam a indiscutível superioridade da renda estadunidense em comparação à média global. Com base nos indicadores apresentados no gráfico, é possível deduzir que o desempenho da economia mundial esteve fortemente vinculado ao desempenho dos EUA.

Desde o final do século XIX aos dias de hoje, os EUA apresentam uma participação dominante, mas declinante na economia e na produção industrial mundial. Segundo dados apresentados pelo professor Demétrio Magnoli, a produção industrial estadunidense representou 35,1% da mundial em 1963. Em 1973, seu percentual mundial declinou para 33% e chegou em 1980 com 31,5%. O zênite da indústria americana fora alcançado em 1953, ano em que representou 44,7%. Para o ano de 2017 e em uma conjuntura global, considerando todos os setores da economia, além das atividades industriais, os EUA representaram um montante de 24,32% da produção mundial. A China, segunda economia do mundo, foi responsável por 14,84%; ao passo que o Japão, 5,91%. Alemanha, Reino Unidos e França, principais economias da Europa, representaram 4,54%, 3,85% e 3,26%; respectivamente. A índia, segundo país mais populoso do mundo, foi responsável por 2,83%, enquanto que o Brasil, principal economia da América Latina, 2.39%.

Finalmente; com base nas referências apresentadas, pode-se notal que, após a Revolução Industrial, Adam Smith e seus seguidores desenvolveram um conjunto de teorias sobre a riqueza e o bem-estar dos homens, cujo embrião estivera nas transformações ocorridas entre os séculos XVIII e XIX. Um dos principais processos do período fora a gradual transição do trabalho não produtivo para ao labor produtivo; em outras palavras, a gradual predominância do acumulo de capital sobre as atividades de subsistência – antes do referido processo, a agricultura do sistema open fields predominou por séculos em boa parte da Europa, desde meados da Idade Média. A partir do século XX, as estatísticas levantadas e divulgadas por governos e organizações privadas passaram a fornecer um conjunto de informações abrangentes e objetivas sobre as sociedades, possibilitando averiguar de forma mais criteriosa o bem-estar dos homens. Os números apresentados pelo Autor permitem sustentam o argumento de que as transformações dos métodos produtivos possibilitaram a melhora das condições de vida em âmbito global, apesar das disparidades entre as diferentes regiões e da distribuição não equitativa da riqueza.

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