Por Derick Azevedo


Não é difícil encontrarmos no Brasil exemplos de ineficiência, alta burocracia, leis mal feitas, regulações confusas, péssimos serviços e corrupção, principalmente em setores controlados ou administrados diretamente pelo governo. Entretanto, existe um setor especial no país que concentra, em grande escala, todos esses problemas. Setor este, que é essencial para a saúde e qualidade de vida de todos os cidadãos, e que não por coincidência tem mais de 96% do seu controle por parte do Estado: o saneamento básico. 

             Antes de analisarmos as causas e possíveis soluções destes problemas, vejamos alguns dados da situação brasileira:

             – 48% da população (cerca de 100 milhões de pessoas) não têm acesso à coleta de esgoto;

             – Somente 20% do esgoto é tratado antes de ser devolvido à natureza;

             – Apenas 21 municípios das 100 maiores cidades têm a taxa de cobertura acima de 80%;

             – Aproximadamente 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água potável;

             – 38,29% da água é desperdiçada na distribuição;

             – O subsolo do país recebe cerca de 4.329 m³ de esgoto por ano;

             – 59% da escolas de ensino fundamental não possuem rede de esgoto.

             (Fonte: ITB – Instituto Trata Brasil)

             O atual cenário dos serviços de distribuição e tratamento de água e esgoto é aterrador e demonstra o quanto estamos atrasados em questões elementares. Além disso, fica claro que todos os nossos governos têm falhado na missão à qual se propuseram. Mas apenas mostrar as estatísticas e criticar o governo não contribuirá para a resolução deste conflito. É preciso entender as causas que fazem com que o atual modelo de gestão de saneamento seja falho.

             Como já dito anteriormente, mais de 96% dos serviços de água e esgoto estão sob controle da União. Entre as prestadoras de serviço, grande parcela está sob gestão dos seus respectivos governos estaduais, fazendo com que os incentivos para a prestação adequada do serviço sejam mínimos, visto que os indivíduos irão pagar compulsoriamente pelos serviços e o poder de fiscalização sobre cumprimento das metas de investimento e cobertura ficará a cargo do mesmo ente que controla as empresas.

             O já baixo volume de recursos destinados ao setor vem caindo na última década, o que é um fator decisivo para que o avanço em direção à universalização do serviço seja lento demais. Segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria), precisamos aumentar em 62% os investimentos em rede de água e esgoto para cumprirmos a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) de universalizar o serviço até 2033. Isso torna necessário que a média anual de gastos no setor suba de R$ 13,6 bilhões para R$ 21,6 bilhões.

             Esta centralização das decisões faz com que a destinação das verbas seja muito mal realizada, fazendo com que algumas cidades cobertas pela mesma companhia estadual tenham resultados absurdamente diferentes, como no estado de São Paulo, onde cidades como Franca e Santo André têm cobertura quase 100% universalizada, enquanto municípios como Bauru, Itaquaquecetuba e Mauá não têm mais que 5% do esgoto tratado. A concentração do poder discricionário sempre é maléfico para uma sociedade e decisões tomadas “de longe”, sem a compreensão da realidade local, tendem a resultar em má alocação de recursos e distorção de informações, impossibilitando o julgamento correto de cada caso e problema a ser resolvido.

             Como empresas estaduais por definição não atuam em uma lógica de mercado, ou seja, não reagem ao sistema de preços (informações), o seu cálculo econômico da distribuição dos investimentos fica totalmente deturpado, direcionando mais recursos a cidades que estão sendo “bem atendidas” e esquecendo as que necessitam de mais investimentos, o que representaria uma fatia de mercado a ser explorada na lógica de uma empresa privada.

             Outro fator que contribui imensamente para a falta de saneamento básico no Brasil é a complexidade burocrática e a confusão regulatória que não estabelecem regras claras e simples de atuação das empresas do setor e nem consolidam metas coerentes de universalização. A falta de um marco regulatório que coíba fraudes de contratos e simplifique as excessivas leis, permitindo a diversificação da concorrência, gera uma grande muralha para a entrada de capital privado no setor.

             Sem critérios técnicos e análises de custo-benefício, a escolha dos fornecedores de serviços de água e saneamento geralmente ficam a cargo de empresas públicas, as quais possuem grandes percentuais orçamentários destinados à folha salarial e não ao investimento em novas ampliações da rede de saneamento.

             Até o final de 2017, haviam 49 agências reguladoras de saneamento básico (22 de abrangência estadual, 23 municipais e 3 de consórcios municipais). Essa complexa confusão gera uma grande assimetria de informações e dificulta que empresas com bons resultados possam atuar em mais de um município, principalmente em pequenos centros. Em um mercado mais livre, os bons modelos de serviços tendem a se expandir , fazer sucesso e até serem copiados. A liberdade de empreender, acertar e errar tende a gerar evoluções quantitativas e qualitativas. Entretanto, como o setor está 96% estatizado, a adaptação e a escolha das melhores ofertas fica completamente comprometida à serviço da vontade e dos interesse dos burocratas.

             Os dois principais argumentos contra a desestatização do saneamento, proliferados em sua maioria por políticos de esquerda, são as alegações de que sob o domínio da iniciativa privada as taxas de cobrança ficariam muito maiores ou que não existiriam incentivos para o atendimento de locais mais afastados e assim a população ficaria sem o serviço. Ambas premissas são facilmente desmentidas com uma breve pesquisa:

             Como mostra o gráfico abaixo divulgado pelo ITB, com dados coletados pela ABCON  (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), em 2017 a diferença paga pelo consumidor referente a serviços de saneamento providos por empresas privadas ou estatais é mínima.

 

Tarifa média da água no Brasil 

              Dos 322 municípios brasileiros em que a iniciativa privada atua, cerca de 72% possuem menos de 50 mil habitantes, demonstrando que a participação das empresas  não se dá apenas em grandes centros. As companhias de saneamento necessitam de ganhos em escala, ou seja, quanto mais pessoas estiverem conectadas as sua rede de atendimento, mais consumidores estarão arcando com os custos de instalação e manutenção da mesma, assim a empresa terá maiores lucros. Tal fato torna possível a extensão das redes de municípios maiores para localidades menores, o que será uma boa oportunidade de negócio para os empreendimentos privados. Esse processo natural do mercado facilitaria o acesso do cidadão ao saneamento ao mesmo tempo em que a empresa potencializa sua lucratividade (e garante a capilaridade necessária para realizar maiores investimentos).

             Bons exemplos da participação da iniciativa privada no setor não faltam. Um estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria), mostra que a participação da iniciativa privada colabora com o uso mais eficiente dos recursos hídricos. A Alemanha, país com mais de 60% dos serviços do setor com gestão privada, possui uma taxa de desperdício de menos de 7%, enquanto a mesma taxa no Brasil é 38,29%. O mesmo estudo mostra que a participação do setor privado contribuiu muito para a universalização desse serviço em outros países como Inglaterra, Canadá e EUA, além de demonstrar como foi feita a transição de modelos.

             No contexto da América Latina, o Brasil ocupa a 11ª posição de um total de 17 países no ranking de melhores serviços de saneamento. Já o Chile, país vizinho em que empresas privadas fornecem 94% dos serviços de saneamento básico  99% da população tem acesso à água potável e esgoto tratado com um grande padrão de qualidade.

             A cidade de Niterói é um ótimo exemplo de como uma parceria público-privada pode trazer mais eficiência e rapidez na resolução dos problemas nessa área essencial. Em 1999 apenas 35% dos habitantes da cidade tinham acesso ao tratamento de esgoto. Após a concessão para a empresa privada “Águas de Niterói” esse número chega hoje a aproximadamente 95% de cobertura do saneamento básico. Vale destacar também que a taxa de acesso a água saltou de 72% para 100% apenas três anos após a concessão. Isso é reflexo de uma gestão transparente e que responde aos incentivos certos, o de atender as demandas dos consumidores.

             O município de Limeira é outro ótimo exemplo da participação privada. Atendido pela  Empresa BRK AMBIENTAL, que investiu mais de R$ 90 milhões na cidade desde 2013, mais de 97% da população recebe serviços de água encanada e coleta de esgoto.

             Entretanto, más regulações, contratos não transparentes e relação próxima de governos e empresas privadas podem gerar maus exemplos de modelos de participação privada, como em Manaus, cidade que concedeu o serviços a empresas Águas do Brasil no início dos anos 2000, onde não houve grandes progressos na cobertura dos serviços. Em um ambiente de livre competição, uma empresa que não apresenta bons resultados poderia ser substituída por uma concorrente, o que não acontece devido às barreiras criadas pela legislação e pelos contratos mal administrados.

             Os modelos citados demonstram que a gestão privada no setor de saneamento é possível, mas que a simples atração de empresas para o ramo não é suficiente sem o incentivo à livre competição e a transparência dos contratos.

             Vale lembrar que o saneamento básico é uma questão de saúde pública. A água mal encanada e o esgoto sem tratamento são grande propagadores de diversas doenças, como infecções gastrointestinais, dengue e verminoses, que afetam o dia-a-dia dos indivíduos e diminuem a expectativa de vida de milhões. Segundo o ITB, em 2013 quase 15 milhões de pessoas sofreram de diarreia ou vômito.

             A resolução do problema do saneamento também pode ajudar nossa economia. Estudos da Organização Mundial da Saúde indicam que a cada R$ 1,00 investido em saneamento são economizados R$ 4,00 em saúde. Essa economia ajudaria com o controle de gastos da União e na resolução dos problemas fiscais enfrentados.

             Em breve o Novo Marco do Saneamento Básico (PL 4162/19), aprovado na Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado, será votado no Senado Federal. Dentre várias mudanças propostas pelo projeto de lei destacam-se: obrigatoriedade de licitações para a administração dos serviços (estabelecendo critérios técnicos de custo-benefício para a escolha da empresa concessionária), facilitação da obtenção de licenças ambientais com regras mais claras, visando maior segurança jurídica para a atração de capital e simplificação da legislação e redução da burocracia, possibilitando a entrada do setor privado e aumentando a competitividade. A meta estabelecida pelo projeto é de atender 99% da população com água potável e 90% com tratamento de esgoto até 2033.

             Apesar das boas chances de aprovação do projeto no Senado, é importante divulgarmos informação acerca do assunto e realizarmos um processo evangelizador acerca das mentiras proferidas com o intuito de destruir a imagem do projeto.

             A defesa da retirada das amarras do estado no setor de saneamento básico faz parte também da luta por um mundo mais livre e próspero. Imensurável é a importância de se ter um tratamento de esgoto de qualidade e o acesso à água potável. Para isso, precisamos de liberdade para que indivíduos possam empreender e fornecer aos consumidores a possibilidade de se ter uma vida mais digna com esses serviços. É essencial que nesse início de ano o Senado aprove o Projeto de Lei para que a resolução desse impasse se inicie o mais breve o possível, pois a população não pode mais esperar pela benevolência de governantes para ter acesso à água potável e tratamento de esgoto.

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