Antes de apresentarmos os principais conceitos e fenômenos da Economia Ortodoxa, é importante discutirmos sobre a volatilidade que cerca a ortodoxia econômica. A conformidade com os princípios e axiomas adotados por uma corrente de ‘pensamento é aplicada ao ensino formal das universidades e pode variar de tempos em tempos. Até o final do século XVIII, por exemplo, o conjunto de ideias dominante – disseminado pelo ensino formal – era o Mercantilismo. 

Já no século seguinte, a economia se modernizou por meio das ideias britânicas, que receberam maior ênfase após a publicação de A Riqueza das Nações, de Adam Smith; assim, a Escola Clássica – como ficou conhecida a representante das ideias liberais – tornou-se dominante. Sua sucessora, a Escola Neoclássica – representada por Carl Menger, Léon Walras, Alfred Marshall, entre outros -, surgiu no final do século XIX e deu força a diversas correntes econômicas que estudavam a formação dos preços, a produção e a distribuição da renda através do mecanismo de oferta e demanda dos mercados.

Entretanto, o início do século XX foi marcado pela Grande Depressão, que deu luz às ideias do economista John Maynard Keynes e tornou sua síntese neoclássica (absorção do keynesianismo no pensamento neoclássico) relevante para o contexto global. Essas modificações no pensamento dominante afastaram, teoricamente, a Escola Marxista e a Escola Austríaca do pensamento neoclássico. Atualmente, a Economia Ortodoxa é o resultado da síntese neoclássica, apresentando sinais do classicismo e do neoclassicismo no desenvolvimento da Microeconomia, e a aplicação de postulados sobre rigidez de curto prazo oriundos do keynesianismo, na construção da Macroeconomia.

Para ilustrar tal composição da ortodoxia atual, é interessante apresentar os 10 Princípios da Economia, segundo Nicholas Gregory Mankiw – um dos autores basilares para o pensamento econômico formal, considerado um neokeynesiano.

1. As pessoas enfrentam trade offs.

2. O custo de alguma coisa depende daquilo que você desiste para obtê-la.

3. As pessoas racionais pensam na margem.

4. As pessoas reagem a incentivos.

5. O comércio pode ser bom para todos.

6. Os mercados são geralmente uma boa maneira de organizar a atividade econômica.

7. Os governos têm papel importante nos resultados econômicos.

8. O padrão de vida de um país depende de sua capacidade de produzir bens e serviços.

9. Os preços sobem quando o governo emite moeda demais.

10. A sociedade enfrenta um trade off de curto prazo entre inflação e desemprego.

É possível perceber em alguns princípios a tendência tênue da defesa do mercado e seu fluxo espontâneo (princípios 1, 3, 5, 6 e 8), mas esse pensamento é bruscamente interrompido pela presença do pensamento keynesiano fortemente estatal. O princípio 7, por exemplo, refere-se à falácia de que existem falhas intrínsecas ao mercado – como o desemprego, a inflação e a formação de monopólios -, e que essas só podem ser solucionadas ou atenuadas por meio do Estado. Ludwig von Mises, Friedrich A. Hayek,  Murray N. Rothbard e Israel Kirzner foram alguns dos autores que há muito já derrubaram a ideia de que as problemáticas citadas são oriundas da livre concorrência; além de reconhecerem, inclusive, a capacidade exclusiva ao mercado de lidar com essas “falhas”.

Outra ideia equivocada se mostra no princípio 10, que sustenta a necessidade de uma escolha constante entre desemprego e inflação, seguindo postulados de curto prazo. De acordo com essa lógica, o aumento da expansão monetária na economia (aumento da oferta sobre a demanda de moeda) gera inflação, ao passo que diminui os níveis de desemprego no curto prazo. Além de relativizar os efeitos da inflação, essa visão ignora todos os impactos de longo prazo causados pela desvalorização da moeda, negligenciando a qualidade de vida da população.

Portanto, nota-se o quão refém das falácias da ortodoxia moderna o ensino econômico está. Na contramão desse pensamento e respeitando a tradição Austríaca, vamos apresentar a Microeconomia e a Macroeconomia a partir do pressuposto de que vivemos em um mundo de escassez e de que as necessidades humanas são ilimitadas e variadas. Logo, são necessários estudos que visem a maior eficiência e produtividade dos recursos, bens e serviços, a fim de maximizar a satisfação humana. Isso envolve, certamente, conhecimentos de gestão e a compreensão acerca do comportamento humano.

Microeconomia

Representando o início de toda cadeia produtiva, a Microeconomia é a área que estuda as decisões individuais – sejam elas feitas dentro de uma família, de uma empresa, ou individualmente. A partir do entendimento das interações e dos micro processos que ocorrem entre produtores e consumidores, apresentará teorias sobre preço, custo, produção, elasticidade, etc.

Oferta e Demanda

Quanto mais escasso for um produto, ou seja, quanto menor sua oferta no mercado e maior a necessidade das pessoas por esse mesmo item (alta demanda), consequentemente, o seu preço será mais alto, logo as pessoas vão estar dispostas a pagar um preço maior por um produto que querem ou necessitam. 

É importante ressaltar que o inverso também ocorre. Quanto mais de um produto há no mercado (alta oferta) e menos pessoas estão dispostas a comprar o produto (baixa demanda), menor será seu preço.

Um exemplo desta situação são os diamantes. Por ser um produto raro e escasso no mundo, há pouca oferta desse cristal no mercado, em contrapartida, a demanda por ele é muito grande, logo seu preço é alto. 

Já a prata, ainda que seja cara, é mais barata que os diamantes pois é mais facilmente encontrada, ou seja, há mais oferta dela no mercado, assim como há menos pessoas interessadas em comprá-la, motivo pelo qual deprecia o seu preço. 

O mesmo ocorre, atualmente, com o preço do trigo no mundo. Rússia e Ucrânia estão entre os maiores produtores de trigo do mundo e, devido ao conflito entre os dois países, os portos estão parados, a produção é desestimulada, a logística é afetada e a exportação dificultada. Devido a todos esses fatores, a oferta de trigo no mercado diminuiu, mas a demanda permaneceu a mesma de antes do conflito, o que ocasionou o aumento de preço.

Portanto, quando um item ou serviço tem alta procura, ele tende a ser escasso, fator que valoriza o seu preço, e quando ele tem baixa procura, tende a ser abundante, condição que deprecia o seu preço.

Preço

Um segundo tema importante da Microeconomia é o papel dos preços. Se um produto é vendido em um mercado competitivo livre, ou seja, sem regulamentação do governo, o preço é ajustado conforme a oferta e demanda. Os compradores procuram os preços mais baixos, determinando a demanda,  e os vendedores, buscando o lucro, querem os preços mais altos possíveis, determinando a oferta.

Dessa maneira, O preço funciona como uma informação, a qual ajuda a definir a decisão de quem está comprando e de quem está vendendo. Por exemplo, um consumidor opta por comprar frango em vez de carne bovina em parte pelo preço do produto, não somente pela preferência pessoal.

De igual modo, as empresas decidem se empregam mais trabalhadores ou compram mais máquinas baseando-se, em parte, nos salários, e nos preços das máquinas.

Mercado

Como já visto, a interação de um grupo de pessoas querendo vender e outro querendo comprar determina a oferta e a demanda, a qual, por sua vez, estabelece o preço do produto ou serviço. Esse conjunto de comportamentos econômicos é o mercado.

Portanto, por meio dos temas abordados e exemplificados, é possível concluir que em uma economia planejada como a de Cuba, da Coreia do Norte ou da antiga União Soviética, onde as decisões de alocação são feitas pelo governo, os trabalhadores têm pouca flexibilidade na escolha de seu emprego, das horas a serem trabalhadas e até mesmo do lugar onde querem viver. Paralelamente a isso, os consumidores têm, em geral, um conjunto limitado de bens disponíveis para escolha, evidenciando que os conceitos e instrumentos apresentados da microeconomia não atuam ativamente.

Por outro lado, em economias de mercado, consumidores, trabalhadores e empresas possuem mais poder de escolha na alocação dos próprios recursos. É nesse modelo econômico que a microeconomia e os temas que a envolvem encontram-se em destaque. 

Macroeconomia

Entrando no campo da Macroeconomia, uma visão maior dos fenômenos econômicos surge, trazendo o estudo sobre o comércio global, a renda e a produção de maneira mais genérica. O termo que designa os estudos macroeconômicos surgiu a partir da Grande Depressão, com as teorias keynesianas, que deram mais visibilidade aos fenômenos mais amplos da economia. Dado o caráter fortemente intervencionista de Keynes, devemos ficar atentos às formas como nos são ensinados alguns conceitos importantes da Macroeconomia.

Produto Interno Bruto

No século XX, o russo Simon Kuznets padronizou a mensuração do PIB com o intuito de consolidar uma ferramenta que é considerada, por muitos, o “termômetro” da economia, uma vez que mede a atividade econômica de um país.

É importante ressaltar que o PIB não representa o total de riqueza existente em um país, mas indica o fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Até aqui, tudo bem. O problema começa quando observamos o cálculo do PIB:

PIB = C + I + G + X – M, onde:

C = consumo

I = investimento

G = gastos governamentais

X = exportações

M = importações

De início, já é possível identificar dois graves problemas no cálculo acima: gastos governamentais são considerados positivos; importações são consideradas negativas, e são subtraídas das exportações, as quais são consideradas atividades econômicas positivas.

Sobre o primeiro ponto, é necessário que saibamos que qualquer gasto ou produto final de investimento do governo contribui para o aumento do PIB – ou seja, se uma ponte for construída em um local inabitado, sem obter utilidade alguma para a sociedade (representando um investimento enfraquecedor da economia), ainda sim, para o cálculo do PIB, será uma atividade econômica favorável ao país.

Já o segundo problema refere-se a importações e exportações, demonstrando uma visão de extremo protecionismo. De acordo com a ideia que deu origem ao cálculo, é mais favorável para um país o aumento das exportações, pressupondo uma valorização do comércio nacional. Entretanto, se uma economia está exportando maquinário e bens de capital, isso não a torna mais produtiva, pois esses produtos estão deixando o país. Na verdade, o aumento das importações significa maior quantidade e qualidade de bens e serviços oferecidos a uma população, além de indicar aumento do poder aquisitivo.

Outro aspecto problemático acerca do cálculo do PIB é que ele considera somente o produto final das transações econômicas (para evitar uma suposta “dupla contagem”), ignorando grande parte das atividades que sustentam a economia de um país, gerando empregos e aumentando a renda per capita. Além dessa simplificação, o cálculo do PIB considera positiva a variável consumo, indicando que o consumismo exacerbado é favorável economicamente e ignorando o fato de que a sociedade precisa poupar também, a fim de poder realizar investimentos e de gerar produtividade.

É clara, portanto, a falha na tentativa do PIB de mensurar a atividade econômica de um país, uma vez que ele se prende a diversos equívocos e não considera a qualidade, a lucratividade, a amplitude, as melhorias e os avanços da produção.

“Ainda assim, o uso cego e fanatizado do PIB persiste até hoje. O fato de que sua existência e persistência servem apenas às políticas keynesianas de estimular o consumismo, defender aumentos dos gastos governamentais, incentivar as exportações por meio de desvalorizações cambiais e restringir as importações por meio de tarifas protecionistas não é algo que deve ser considerado uma mera coincidência. Infelizmente, as consequências de tudo isso — estagnações econômicas, aumento do endividamento e inflação — são tão inevitáveis quanto previsíveis.” (CASEY, 2019).

Inflação

Ao contrário do que normalmente é apresentado pelas mídias e pelas instituições de ensino, o conceito de inflação está relacionado ao aumento da oferta monetária sobre a demanda, que gera a perda continuada do poder de compra da moeda. A consequência mais clara e direta desse processo, ocorre o aumento generalizado dos preços do mercado. Por isso, a inflação é medida pelos índices de preços. O principal, no Brasil, é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado no sistema de metas para a inflação.

Diversos outros problemas econômicos e sociais podem ser ocasionados ou agravados por uma economia inflacionada, como o desestímulo à investimentos nacionais e internacionais; a distorção dos preços relativos e consequentes ineficiências na economia, a maior vulnerabilidade das populações menos favorecidas, que não possuem instrumentos financeiros para combater a inflação e o aumento da dívida pública, já que as taxas de juros mais altas assumem o cenário de incertezas.

Portanto, se a inflação representa tal gravidade, é imprescindível que todos saibam suas causas e os motivos que a tornam tão frequente. Fugindo dos equívocos comuns e dos discursos prontos sobre suas causas, diversos autores da Escola Austríaca consideram a inflação uma política de governo. Ou seja, existem vários motivos que levam os governos a enxergarem como favoráveis ações que geram inflação. 

Um desses motivos é que, normalmente, democracias apresentam mandatos curtos, o que, em conjunto com a falta de entendimento econômico da população, permite que os representantes governem com estímulos de curto prazo – aplicando políticas que, em um primeiro momento, parecem favoráveis para a população, como a distribuição de auxílios em dinheiro para algumas camadas da população. Assim, os governantes ganham apoio político e os efeitos inflacionários de suas ações só serão sentidos a longo prazo.

Outro motivo, discutido bastante pelo economista austríaco Friedrich Hayek, está relacionado ao fato de que aumentar a oferta de dinheiro na economia sustenta as contas do governo e o ajuda a pagar suas dívidas, já que ele possui mais dinheiro em mãos (por meio dos impostos, por exemplo). Por isso, muitas vezes, os governos optam por se beneficiar a curto prazo e ignorar os efeitos da inflação futura.

Assim como a discussão acerca das causas desse cenário problemático é negligenciado, o próprio conceito de inflação é ensinado de forma equivocada para atender a interesses políticos. As mídias e as instituições de ensino de maneira geral, frequentemente, definem a inflação como o aumento contínuo e generalizado dos preços (o que, na verdade, é só uma consequência da inflação). Ao excluir o debate sobre as políticas que causam um cenário de inflação, essa definição pode gerar nas pessoas a sensação de que os responsáveis pela inflação são os comerciantes – que, por vontade espontânea, aumentam os preços dos produtos.

Esse pensamento abre margem para ações destrutivas por parte do governo, como o controle de preços do mercado. Realizada, por exemplo, em 1986, no governo de José Sarney, essa política culminou na paralisação da produção de diversos produtos, pois a diminuição artificial do preço final impossibilitava o processo produtivo. Naquela época, grande parte da população continuou culpando o mercado e não reconheceu as verdadeiras causas da inflação, o que acontece até os dias atuais.

Deflação

Os conceitos que cercam o fenômeno da deflação também são alvos de inúmeros equívocos. Antes de desmistificá-los, é importante ressaltarmos que a deflação representa um cenário oposto ao inflacionário, ou seja, de diminuição da oferta de moeda comparada à demanda, o que ocasiona o aumento continuado do poder de compra da moeda – e diminuição generalizada dos preços do mercado. Logo, pressupõe-se, logicamente, que a deflação é positiva.

Por mais que esse raciocínio possa parecer óbvio, é comum escutarmos a todo momento que a declinação dos preços, assim como a alta inflação, também não é um fenômeno desejável. Os argumentos utilizados para defender tal ponto de vista são vários, como a defesa de que os comerciantes teriam prejuízo ao ganharem menos pelo que produzem, o que é uma grande falácia, pois o que importa para os produtores é a lucratividade (lucro = receita – custo), ou seja, se todos os custos também diminuírem, a receita continuará maior e o negócio, benéfico.

Outro argumento apresentado é o de que a massa monetária precisa ser crescente para a economia se desenvolver, o que só faria sentido se ainda usássemos ouro e metais como moeda. Além disso, segundo esse pensamento, as pessoas não saberiam lidar psicologicamente com os preços do mercado e de seu trabalho diminuindo, o que é um grande absurdo, já que, com as correções monetárias, todos se adaptaram até mesmo a cenários hiperinflacionários (perda de poder de compra da moeda).

Por fim, que saibamos reconhecer as más intenções por trás de todas essas falácias. O crescimento econômico significa a abundância de riqueza, de bens e de serviços para a população, além de um cenário de alta produtividade. Essas informações são fatos.

ssim, fica perceptível a fragilidade da verdade diante de uma ortodoxia institucionalizada e definida pelos poderes governamentais.

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