Por Derick Azevedo


Parte I – Os instrumentos estatais de manipulação da economia e as ações do FED.


Os movimentos do mercado estão sob forte influência do novo coronavírus (Covid-19), uma doença altamente contagiosa que se iniciou na China. Segundo a Organização Mundial da Saúde, até o momento, ela atingiu mais de 300 mil pessoas em cerca de 176 países. 

Essa conjuntura fez com que os governos e os indivíduos adotassem medidas de quarentena, paralisando boa parte das atividades econômicas, com a implementação do home office em alguns casos.

Essas medidas trazem forte impacto à atividade econômica no Brasil e no mundo. Com menos pessoas circulando nas ruas, temos um menor consumo de bens e serviços. O perigo da transmissão do vírus também fez com que fábricas diminuíssem sua produção ou fechassem temporariamente. As atividades das empresas nos setores de viagens e turismo, de eventos e de varejo estão praticamente paralisadas.  

Com o isolamento social, e a consequente queda drástica da atividade econômica, os cidadãos se encontram fragilizados e imersos na incerteza sobre o futuro da economia global. Projeções e dados indicam a possibilidade de uma grande recessão – ainda maior do que a enfrentada em 2008.

Trabalhadores autônomos, profissionais liberais, empreendedores de pequeno e médio porte são os mais prejudicados, tendo sua receita seriamente comprometida. Com a grande queda na demanda por seus serviços, além de não haver redução dos custos fixos, suas fontes de recursos são rapidamente esgotadas. Muitos ainda enfrentam o iminente perigo de falência em decorrência do possível prolongamento da paralisação. 

No entanto, grandes empresas também não escapam dos efeitos negativos da pandemia. Inclusive, muitas já deram início à redução de suas atividades, promovendo, por exemplo, férias coletivas, cortes em salários de diretores, CEOs e funcionários. A empresa aérea GOL – que já anunciou um corte de aproximadamente 90% em suas atividades e redução das jornadas, bonificações e salários de seus empregados – é um exemplo disso.

Essa conjuntura se reflete nas bolsas de valores. Os principais índices da bolsa americana (Nasdaq, Dow 30 e S&P500) apresentaram quedas históricas, assim como o índice Ibovespa (o principal da bolsa brasileira), que iniciou o ano acima dos 120 mil pontos e até o momento amargura uma queda de aproximadamente 40% no acumulado anual.

Diante desses acontecimentos, e somado às pressões corporativas, inúmeros presidentes e líderes políticos promoverem fortes intervenções na economia por meio de seus bancos centrais. Buscando injetar dinheiro na economia, eles aumentam os subsídios para empresas, compram títulos de dívida, reduzem as taxas de juros e elevam os gastos e o endividamento. Em países com profundas dificuldades fiscais, como o Brasil, isso  é um indicativo da proximidade de uma crise econômica mundial.

Para entendermos a conjuntura apresentada e os possíveis resultados, é necessário compreendermos os instrumentos utilizados pelos governos para intervir na economia e qual é relação desses instrumentos com os ciclos econômicos. 

Precisamos entender como aconteceu a crise de 2008, quais foram as políticas macroeconômicas adotadas desde então, qual a relação destas políticas com o modelo social democrata vigente, qual a situação econômica brasileira e quais as prováveis consequências destes modelos de condução da economia.


Emissão de moeda


As políticas monetárias e fiscais são os principais instrumentos usados pelos governos para manipular a economia e expandir a base monetária. A maneira mais rudimentar e simples é a famosa “impressão de dinheiro”, um aumento direto do volume de dinheiro em circulação.


No Brasil, a CMN (Comissão Monetária Nacional) define a política monetária e, junto com o Banco Central do Brasil, autoriza que a Casa da Moeda emita novas notas que entram diretamente na economia por meio de empréstimos, subsídios ou compras do governo. Em períodos de baixa atividade ou de pouco crescimento econômico, políticos injetam dinheiro com o interesse de criar a falsa sensação de enriquecimento. 


À medida que os novos recursos entram na economia, as distorções e problemas se iniciam. Os primeiros a receber o “novo” dinheiro (geralmente os bancos, as grandes indústrias ou grandes empresas) serão beneficiados a curto prazo: eles poderão consumir bens e serviços com um poder de compra – artificialmente – maior. Em outras palavras, esse consumo gera uma demanda que não tem respaldo pelo aumento de produtividade. O resultado disso é a criação de uma disfunção na curva de oferta e demanda.


Com o tempo, todos os preços da economia aumentam. Os últimos a receberem esta injeção de liquidez – normalmente os trabalhadores de baixa renda – perderão poder de compra. Dessa forma, imprimir dinheiro é uma política monetária que aumenta a inflação e que distorce os preços da economia. Em resumo, apesar de haver mais notas de dinheiro circulando, elas não criam riqueza verdadeiramente. 


Quantitative easing 


A emissão de moeda física está sendo cada vez menos usada, sendo substituída por instrumentos indiretos, como o quantitative easing (QE), ou afrouxamento quantitativo. 


Esse instrumento monetário consiste na criação eletrônica de dinheiro pelo banco central, que compra títulos de dívida e valores mobiliários (ações). Para isso, a autoridade monetária credita o valor na conta das corretoras ou bancos, retirando da economia os ativos deteriorados e salvando empresas e instituições financeiras escolhidas pelo governo. 

Por ser aplicável quase instantaneamente, o instrumento ganhou forte adesão nos últimos anos, geralmente em momentos de desaceleração ou de crise. Ele foi implementado durante as recessões de 2008 e, mais recentemente, o Banco Central Europeu e o FED usaram-na para aquecer (ou tentar aquecer) a economia e aumentar o consumo.


Ele não provoca uma elevação do índice de preços ao consumidor, mas gera um efeito inflacionário nos ativos financeiros. As mais beneficiadas são as grandes empresas e corporações. No entanto, a consequência imediata desta política é o aumento do endividamento do Estado, que obviamente passa a conta aos cidadãos. Sendo assim, os QEs são um instrumento de transferência de renda – dos mais pobres aos mais ricos.


Taxas de juros


Outro meio muito usado para aquecer as economias é a manipulação das taxas de juro. O juro é remuneração do credor pelo uso de seu dinheiro por parte de um devedor durante um período determinado. Pode ser entendido também como o preço pago pela preferência temporal e pelo risco assumido pelo agente que concedeu seu capital. Para facilitar a explicação, vamos classificar o juro como o “preço do dinheiro”. 


Em sua obra, Mises explica que todo cálculo econômico que possibilita a alocação eficiente de recursos e leva os indivíduos a tomarem as decisões corretas no mercado, é feito pela transmissão de informações, que ocorre pelo sistema de preços. Se um produto está com o preço elevado, os indivíduos recebem a informação de que há mais pessoas demandando este bem do que há oferta disponível. 


O preço do dinheiro é um reflexo da oferta e do risco do mesmo. Quando a taxa de juros está muito alta, isso significa que existe pouca poupança real (dinheiro que os indivíduos possuem guardado e que está em posse da instituição financeira) em relação à demanda por empréstimos. Em outras palavras, existe um risco relativamente grande para o credor. Quando a taxa de juros está baixa, significa que existe uma grande oferta de dinheiro para uma demanda menor.


Quando o governo manipula as taxas de juros, ele altera as informações. Buscando aquecer a economia e facilitar a tomada de empréstimos e investimentos, o governo pode reduzir as taxas, mesmo que não exista aumento de riqueza, poupança ou produtividade. 


A manipulação das taxas de juros, em muitos casos, tem forte correlação com as emissões de moeda e o QE: quando os bancos centrais dão liquidez aos bancos, surge uma base para a nova oferta de crédito. Em razão disso, analisaremos as decisões que o FED e os demais bancos centrais tem tomado diante da crise econômica decorrente do novo coronavírus.


Nas últimas semanas, o FED anunciou diversas vezes seus planos para injetar liquidez e “aquecer” a economia dos EUA. Em 23 de março, ele anunciou a recompra de títulos americanos, prometendo cobrir todos os estragos deixados pelas recentes desvalorizações, se tornando dono de grande parte dos ativos do país, há poucos passos da estatização do sistema.


Apesar da injeção de U$ 1,5 trilhão na economia, a medida não foi recebida com otimismo e os investidores recuaram em suas decisões. Mesmo assim, o FED “chutou o balde” e prometeu liquidez quase ilimitada: os analistas calculam que a injeção de dinheiro prometida pode chegar a US$ 6 trilhões, o que equivale a aproximadamente 4 vezes o PIB do Brasil. Esse valor é muito superior ao alocado na crise de 2008. 


Essas ações foram complementadas com uma grande redução das taxas de juros nos EUA. Agora, as taxas estão zeradas, ou seja, o preço pago por uma tomada de empréstimo não existe. O efeito é que os cálculos de risco-retorno ficam totalmente distorcidos, facilitando endividamentos e possíveis prejuízos futuros. Como se não bastasse, outras medidas, como a provisão de cheques de U$ 1.000 para os cidadãos, foram sinalizadas. 


Obviamente isso irá custar muito caro aos cofres do governo. Na verdade, custará muito ao bolso dos trabalhadores e empreendedores. Há anos o “paraíso capitalista” deixou de ser o exemplo de liberdade econômica para se tornar a terra da intervenção, endividamento e da exportação de inflação (conforme será abordado na segunda parte do nosso artigo).


Essas decisões foram tomadas justamente no ano de eleição, em que Donald Trump enfrenta forte concorrência na disputa pelo cargo presidencial. Isso mostra que o governo norte americano está jogando os efeitos negativos para o futuro – não só da crise do coronavírus, mas também de uma década de políticas macroeconômicas erradas e de distorções no mercado de crédito que levaram a maus investimentos e alavancagens artificiais.


O Banco Central Europeu não ficou para trás e anunciou um pacote de 750 bilhões de euros. Enquanto isso, os governos de países como França e Alemanha buscam mais formas de aumentar sua base monetária. No Japão, o Banco Central prometeu prover liquidez suficiente ao mercado, estimando um custo fiscal de mais de 112 bilhões de dólares.


Na semana passada, antes dos novos anúncios do FED, os países do G-20 se reuniram e prometeram injetar pelo menos 5 trilhões de dólares na economia. Muitos índices e ações apresentaram leve recuperação, e muitos investidores ficaram mais animados. Entretanto, essa sensação de alívio demonstra ser apenas passageira.


Todo essa elevação dos gastos governamentais resultará na piora da situação fiscal dos países que já enfrentam um grande endividamento público. Desde a crise de 2008, os estados têm aumentado seus gastos para promover crescimentos artificiais e poucos são os governos que promovem políticas de austeridade.


Dívida fiscal

(% do PIB)

Japão

226,3

Reino Unido

110,3

Estados Unidos

101,8

Zona do Euro

100,3

Fonte: IIF 


Medidas extremamente populistas, que apenas postergam o real ajuste do mercado e o enfrentamento das consequências da crise, tendem a potencializar a ocorrência de uma crise econômica global. Analogicamente, podemos dizer que a pura injeção de liquidez na economia é como usar morfina para aliviar a dor de um paciente de câncer após a quimioterapia: ela pode trazer uma sensação de bem-estar a curto prazo, mas tão logo passe seus efeitos, a dor provocada pelo tratamento retorna.


Cedo ou tarde, o preço do esbanjamento de dinheiro público e das manipulações do mercado de crédito será cobrado. O mercado tende a se ajustar, mas quanto mais isso for adiado, maiores serão as perdas e prejuízos. Por isso é necessário entendermos como funcionam os ciclos da economia e quais medidas realmente podem ajudar a mitigar os efeitos de uma iminente crise.


Por hora, podemos afirmar que todas as formas de intervenção macroeconômica implementadas pelos governos surgem da ideia de que o Estado pode prover recursos e a riqueza para os indivíduos. Essa ideia está profundamente errada: o Estado atua como parasita da atividade econômica e sua fonte recursos é a receita do trabalho e do dinheiro dos indivíduos (empregados e empreendedores), que realizam trocas e associações voluntárias buscando sempre a autossatisfação.


A criação “mágica” de dinheiro tem origem no pensamento de que o simples acúmulo de moeda (e consequente aumento da demanda) é a base para o enriquecimento da sociedade. Porém, antes do consumo, deve existir a produção e ela deve se basear em informações e preços reais, a fim de que os indivíduos possam interagir de acordo com suas necessidades e desejos.


Parte II – As crises e os ciclos da economia.


Parte III – O endividamento dos estados e o modelo social-democrata.




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